quinta-feira, 14 de junho de 2007

Alma nua


Ó Pai
Não deixes que façam de mim

O que da pedra tu fizestes

E que a fria luz da razão

Não cale o azul da aura que me vestes

Dá-me leveza nas mãos

Faze de mim um nobre domador

Laçando acordes e versos

Dispersos no tempo

Pro templo do amor

Que se eu tiver que ficar nu

Hei de envolver-me em pura poesia

E dela farei minha casa, minha asa

Loucura de cada dia

Dá-me o silêncio da noite

Pra ouvir o sapo namorando a lua

Dá-me direito ao açoite

Ao ócio, ao cio

À vadiagem pela rua

Deixa-me perder a hora

Pra ter tempo de encontrar a rima

Ver o mundo de dentro pra fora

E a beleza que aflora de baixo pra cima

Ó meu Pai, dá-me o direito

De dizer coisas sem sentido

De não ter que ser perfeito

Pretérito, sujeito, artigo definido

De me apaixonar todo dia

De ser mais jovem que meu filho

E ir aprendendo com ele

A magia de nunca perder o brilho

Virar os dados do destino

De me contradizer, de não ter meta

Me reinventar, ser meu próprio Deus

Viver menino, morrer poeta

Um comentário:

Tiago disse...

Muito bonito isto:

"Dá-me direito ao açoite
Ao ócio, ao cio
À vadiagem pela rua"

Realmente tocante, mesmo pra mim, um agnóstico, mas pelo que entendi o poema também é agnóstico, ou estou viajando?

Abs.